

Flávio Luis
Ferrarini
Vida e Obra
Flávio Luis Ferrarini foi um desses escritores raros no trato das palavras. Nasceu em 5 de agosto de 1961, no interior de Flores da Cunha – RS, onde é hoje o Município de Nova Pádua. Faleceu aos 53 anos, vítima de acidente de trânsito, em 16 de junho de 2015. Ferrarini foi um publicitário, palestrante, escritor, poeta, cronista, contista, autor de narrativa infanto-juvenil. Um dos primeiros escritores do município de Flores da Cunha a lançar livro individual em 1985 (Volta e meia um poema na veia), abrindo uma série de 26 livros publicados, sendo três obras póstumas.
Participou de antologias, publicou em revistas literárias nacionais e internacionais. Publicou em torno de três mil crônicas entre os jornais: O Florense (Flores da Cunha), O Semanário (Bento Gonçalves), O Pioneiro (Caxias do Sul), Folha de Hoje (Caxias do Sul) e Revista Literária Blau de Porto Alegre. Como publicitário foi sócio-diretor da primeira agência de publicidade de Flores da Cunha, a CRIARTE (1986 a 2015), e redator chefe da Planet House Propaganda de Caxias do Sul/RS (1989 a 2015). Além disso, foi um dos percursores do projeto Autor na Sala de Aula, com o qual esteve palestrando em inúmeras escolas públicas e particulares do RS e SC.
Uma vida inteira dedicada à magia das palavras, assim, Flávio Ferrarini coloriu e colore o cotidiano.
Suas obras mereceram artigos elogiosos, como do brilhante ensaísta, escritor, tradutor e um dos maiores críticos literários brasileiros, José Paulo Paes e do ilustre escritor e crítico literário Marcelo Backes, além de acumular resenhas entusiastas em importantes publicações literárias do Brasil.
"Valem mais seus minutos interioranos do que horas inteiras de muito poeta da cidade grande. Ferrarini é um mestre na criação de metáforas, capaz de gerar um frescor linguístico a partir de seu talento em reuni-las e dosá-las nas páginas, como se estas fossem o caldeirão em que mistura poções destinadas a alimentar com prazer a fome de quem lê buscando alta literatura.
É na simplicidade que Ferrarini encilha o poder devastador do talento que cultiva,prontinho para encantar aos que sabem pescar pérolas por conta própria em livrarias ou em resenhas de livros publicadas na imprensa."
José Paulo Paes
O Instituto Flávio Luis Ferrarini, é uma instituição sociocultural sem fins lucrativos, que além de manter viva a trajetória do escritor, promove e incentiva movimentos culturais com cunho artístico.
• Volta e meia um poema na veia (Poemas - Ed. do Autor, Flores da Cunha/RS, 1985).
• Uma história sem elos (Novela - Ed. do Autor, Flores da Cunha/RS, 1986).
• Olho vermelho no centro do espelho (Poemas - Ed. do Autor, Flores da Cunha/RS, 1988).
• Minuto diminuto (Epigramas - Ed. do Autor, Flores da Cunha/RS, 1990).
• Cogumelos amarelos (Epigramas e poemas em prosa - Ed. do Autor, Flores da Cunha/RS, 1994).
• Crônicas da cidade pequena (Crônicas - Ed. Jornal O Florense, Flores da Cunha/RS, 1996).
• A captura das águas (Poemas em prosa - Massao Ohno Editor, São Paulo/SP, 1996).
• Outubro sobre arco-Íris (Poemas em prosa - Ed. Sete Letras/RJ, 1999).
• O segredo de Ogliver Nut (Narrativa infantojuvenil - WS Editor, Porto Alegre/RS, 2000).
• Apontador de indiferenças (Crônicas - Ed. Jornal O Florense, Flores da Cunha/RS, 2000).
• Roger Bispo e a deusa Hathor (Narrativa infantojuvenil - WS Editor, Porto Alegre/RS, 2003).
• De A a Zoar (Poemas – infantojuvenil - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2005).
• Aventuras do ladrão aprendiz (Narrativa infantojuvenil - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2005).
• O Morro do Chapéu do Diabo (Narrativa infantojuvenil - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2006).
• Vidas minúsculas de Vila Faconda (Contos - Zouk Editora, Porto Alegre/RS, 2007).
• O segredo do diário de Pati (Narrativa infantojuvenil - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2007).
• Um dia não sei quando (Poemas - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2008).
• O tesouro de Richard Stevenson (Narrativa juvenil - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2009).
• Quadrantes (Poemas - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2010).
• Tempo de amadurecer (Narrativa juvenil - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2010).
• A Sociedade Secreta dos Valentes (Narrativa juvenil - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2011).
• Bento Bandini - Seja você mesmo (Narrativa juvenil - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2013).
• O Menino da Terra do Sol (Romance poético - Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2014).
• Tira-Gosto Poemas# Saborear com Prazer (Obra Póstuma - Poemas, Maneco Ed., Caxias do Sul/RS, 2016).
• Depois da Chuvarada (Obra póstuma - Crônicas Selecionadas, Ed. EDUCS, Caxias do Sul/RS, 2021).
• Bento Bandini: encare seus medos (Obra Póstuma - Narrativa Juvenil. Editora Vírtua, Caxias do Sul/RS, 2023).
• Quando as folhas caem (Ed. Sangar Vidal, Porto Alegre/ RS, 1984).
• Letras do Brasil (Casa do Poeta Riograndense, Porto Alegre/RS, 1984).
• Matrícula dois (Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul/RS, 1998).
• Poetas do Rio Grande do Sul (Ed. Books LLC, Wiki Series, Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2011).
• Os Perigos da Poesia e outros ensaios - José Paulo Paes (São Paulo/SP, Ed. Topbooks, 1997).
• Um poeta do interior - José Paulo Paes (Jornal Folha de São Paulo, Portal da Literatura, São Paulo/SP, 1997).
• Coletânea reúne artigos de jornal assinados por José Paulo Paes e destaca poetas alheios à uniformização literária - Miguel Sanches Neto (Gazeta do Povo, Jornal de Poesia, Curitiba/PR, 1997).
• A Captura das Águas - Eduardo Lanius (Jornal Zero Hora, Porto Alegre/RS, 1998).
• Pequenas catedrais - Gilmar Marcílio (Jornal Caxias Notícias, Caxias do Sul/RS, 2000).
• Pelas beiradas da mídia - Marcelo Backes (Revista VOX, Porto Alegre/RS, 2002).
• O lado menos áspero da lixa - Jayme Paviani (Jornal Pioneiro, Caxias do Sul/RS, 2003).
• O Morro do Chapéu do Diabo - Marcelo Mugnol (Jornal Pioneiro, Caxias do Sul/RS, 2006).
• No Centro da Vida Minúscula - Eduardo Lanius (Jornal do Comércio, Porto Alegre/RS, 2008).
• A Ficção do Sul Profundo - Marcelo Backes (Entre Livros, São Paulo/SP, 2008).
• Domador entre leões inspirados - Poesia Completa mostra por que a arte de José Paulo Paes incomoda a tradição - Fabrício Carpinejar (Jornal Estadão, São Paulo/SP, 2009).
• Cronista do Jornal Folha de Hoje - Caxias do Sul/RS (1990 a 1993).
• Contos publicados na Revista Literária Blau - Porto Alegre/ RS (1999).
• Cronista do Jornal Pioneiro - Caxias do Sul/RS (1996 a 2002).
• Cronista do Jornal O Florense - Flores da Cunha/RS (1988 a 2015).
• Cronista do Jornal Semanário – Bento Gonçalves/RS (2006 a 2015).
• Biblioteca Pública Flávio Luis Ferrarini - Nova Pádua/RS (1999).
• Patrono da 30a Feira do Livro - Flores da Cunha/RS (2007).
• Biblioteca Flávio Luis Ferrarini – Escola Municipal Rio Branco - Flores da Cunha/RS (2000).
• O poema “Vício do Ofício” de Flávio Ferrarini foi musicado pelo grupo Rota Lunar.
• Instituto Flávio Luis Ferrarini (entidade sociocultural sem fins lucrativos).
• Casa de Cultura Flávio Luis Ferrarini – Flores da Cunha/RS.
• Rua Flávio Luis Ferrarini - Bairro Nova Trento de Flores da Cunha/RS.
• Filme curta-metragem O Menino da Terra do Sol, baseado no livro homônimo de Flávio Luis Ferrarini. A produção e execução do filme, enquadra-se como forma de representação da identidade cultural e da vida social do interior da Serra Gaúcha nas décadas de 60 e 70.
• Escritor homenageado na 39a Feira do Livro de Flores da Cunha/RS.
• Os poemas: “Encanto pela Poesia”, “É de gente assim que eu gosto”, “Gaiola”, “Cidadezinha de uma rua só”, “Detetive” do Flávio Luis Ferrarini foram musicados pelo grupo Rota Lunar.
• Júlia Manosso compôs a música: “Memórias do Poeta” em homenagem a Flávio Luis Ferrarini.
• Alberto Mirales e Maria Cristina Evaldt compuseram a música “Harmonia das letras” em homenagem a Flávio Ferrarini.
• Almoxarife, Auxiliar de Escrita Fiscal da Fábrica de Móveis Florense Ltda. (1979).
• Auxiliar de Contabilidade da Bela Transportes Ltda. (1979).
• Assessor da Presidência da Associação dos Fabricantes de Móveis do Brasil (AFAM) e Gerente de Publicidade da Fábrica de Móveis Florense Ltda. (1980 a 1989).
• Sócio-diretor da CRIARTE Asses. Com. e Publicidade Ltda. (1986 a 2015).
• Redator chefe na Planet House Propaganda – Caxias do Sul/RS (1989 a 2015).
• Membro fundador da APAC – Associação dos produtores de arte e cultura - Flores da Cunha/RS.
• Presidente da EFASCE - Entidade Friuliano de Assistência Social e Cultural aos Emigrantes - Flores da Cunha/RS.
• Pré a Quarta Série: Escola do Trav. Paredes - Nova Pádua/RS (1968 a 1972).
• Quinta Série: Escola Frei Caneca - Flores da Cunha/RS (1973).
• Sexta a oitava série: Escola Luiz Gelain - Nova Pádua/RS (1974 a 1976).
• Segundo Grau: Escola Estadual de Ensino Médio São Rafael - Flores da Cunha/RS (1977 a 1979).
• Curso Superior: Ciências Econômicas e Comunicação Social – Universidades de Caxias do Sul (UCS), (1981 a 1987).
Fale um pouco sobre você
Nasci no interior do interior de Flores da Cunha, numa localidade chamada Travessão Paredes. Paredes foi o nome do agrimensor que dividiu as terras da minha comunidade.
Quem incentivou você a escrever?
Primeiro foi meu pai, ele estudou no Colégio Murialdo de Ana Rech de onde trouxe uns três ou quatro livros depenados; sem capa, algumas folhas arrancadas, rabiscados. Lembro que ele lia umas histórias pra mim à luz de velas. Eu ficava com aqueles personagens do mundo dos livros povoando a minha cabeça. _”Você conhece a estória dos 35 Camelos do Malba Than?” Dizia papai em seu entusiasmo pela leitura.
A segunda grande incentivadora foi uma professora de português a Bernardette Soldatelli. E o terceiro grande empurrão recebi de um dos maiores e mais brilhantes críticos literários que o Brasil já teve que foi o José Paulo Paes que escreveu um ensaio sobre meu livro "Minuto diminuto" de 1990.
Como você começou a escrever?
Comecei cedo, lá pelos sete, oito anos de idade, quando ainda usava calças curtas. Produzi meu primeiro livro com papel de embrulhar pregos e cola caseira. Era mais um amontoado de letras em meio à desenhos de estrelas, flores e borboletas que mais se pareciam com o mosquito da dengue. Versos que mais tarde faziam suspirar as meninas e envergonhavam a professora Helena. No jardim da minha vida / Plantei um pé de bromélia / Se você não casar comigo / Troco de nome e viro Amélia. Graças a Deus o livro só teve um leitor: EU.
Depois dei um tempo. Andei meio perdidaço na vida. Achava que minha praia fosse a música. Fiz um violão com linha de nylon usada para pescar e vivia com aquele negócio pra cima e pra baixo. Somente lá pelos 14 retomei o gosto pela escrita.
Qual a matéria que você mais gostava na escola?
Talvez esteja decepcionando vocês, mas não foi Português, não. Português era muito complicado para mim que usava no dia-a-dia o dialeto vêneto (Talian) e só falava o português na escola. O português tinha mais regras e leis do que o atual Código de Trânsito. Com muitos sinais de advertência e proibições. Aquilo me deixava meio engessado. Eu gostava era de matemática; fazer contas, resolver equações, essas coisas de conjuntos, etecétera. Vocês conhecem a estória dos 3 amigos que foram a um Café. A conta deu R$ 30. Cada um deu 10. Houve engano. A conta deu 25. O garçon pegou os 5 tirou 2 pra ele e devolveu 1 real pra cada um. Foram ver. Cada um pagou 9 que dá 27 + 2 do garçon = 29. Onde é que foi parar 1 real da história?
Quais são teus escritores favoritos?
Na poesia, Manoel de Barros, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Gregory Corso, Ginsberg, Lorca...
Na prosa: Raduan Nassar, Machado de Assis, Rubem Braga, Charles Dickens, Kafka, Gabriel Garcia Marquez...
No juvenil: Mark Twain, Carlo Colodi, Pedro Bandeira, Ivan Ângelo...
Li muito Jorge de Lima, Casimiro de Abreu, Cecília Meireles, Vinícius de Moraes, Mário Quintana e Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa de olhos fechados, tentando devolver a mim mesmo. O primeiro contato com a beleza daqueles versos foi terrível.
Mais tarde, li outros e outros grandes poetas: Manoel de Barros, Frederico Garcia Lorca, Rimbaud, Eliot, Adélia Prado, Ginsberg, Pablo Neruda, Jorge Luiz Borges, Leminsky...
Na prosa, li Cervantes, Goethe, Shakespeare, Raul Pompéia, Italo Svevo, Joyce, Camus, Moravia, Raduan Nassar, Salinger, Machado de Assis, Rubem Braga, Charles Dickens, Kafka, Gabriel Garcia Marquez... li também os escritores dos clássicos russos e muitos outros. Na literatura infanto-juvenil, Monteiro Lobato, Júlio Verne, Lewis Carroll, Mark Twain, Pedro Bandeira, Ivan Ângelo, Carlo Collodi, com o seu inesquecível Pinóquio.
Como é o processo de trabalho (a rotina de criação)?
Posso dizer que a minha rotina ou o meu método de trabalho é no sentido literal grego, ou seja, "méthodos" - "meta" e "hodos", "caminho". Quer dizer, adoto o método do caminho incerto, da descoberta, de procurar alguma coisa e encontrar outra totalmente diferente. Não nutro maior simpatia pela palavra "método" no sentido literal latino que é a ordem que se segue na investigação da verdade. Não guardo hora e nem local para escrever. Também não creio em inspiração como se fosse um favor dos deuses. Sento diante da tela em branco do computador e começo a escrever.
Qual seu estilo literário?
Quem conhece minhas obras percebe que tenho um estilo muito pessoal, ou seja, uma marca própria. Disso me orgulho, pois como disse o poeta Mário Quintana é melhor escrever sofrivelmente mas com estilo próprio do que copiar os outros.
Quanto tempo leva para se escrever uma obra?
No meu caso, levo em torno de dois anos. Às vezes o tempo varia para cima ou para baixo. Geralmente é para cima. Costumo escrever e guardar numa gaveta. Somente após um tempo releio aquilo com um certo distanciamento e senso mais crítico. É como uma floresta que a gente enxerga melhor estando de fora dela.
Escrever dá dinheiro?
Pergunta pertinente. Depois de ter publicado mais de 20 obras e ter vendido mais de 40 mil exemplares, estou tão rico que só tiro as mãos do bolso para abanar da minha Ferrari. Claro que é puro delírio. Com o dinheiro da venda dos livros não compro nem o sono para dormir de noite. Quem ganha dinheiro escrevendo livros são escritores como Paulo Coelho que já vendeu em torno de 150 milhões de livros e mais alguns poucos afortunados. Para mim, escrever é vocação e não profissão. Estranho falar isso, porque o dinheiro hoje em dia compra tudo, até os etecéteras...
Qual foi o maior desafio de sua vida como escritor?
Todos os desafios imagináveis e inimagináveis. Deixe que me explico. Para começar, nasci no interior do interior de Flores da Cunha, sem nenhum acesso ao mundo dos livros. As únicas obras de que tenho lembrança que tinha lá em casa quando criança eram meia dúzia de revistas e jornais velhos. Mais tarde, já morando na cidade de Flores da Cunha, o desafio foi conseguir publicar o primeiro poema. Não havia jornal e nem rádio. Toda a semana, durante um ano ou mais, enviei dois ou três poemas, via correio, ao jornal Eco do Vale de Bento Gonçalves, até que publicassem o primeiro poema. Vencida esta etapa, precisei transpôr mais um desafio: encontrar um editor que publicasse meus poemas. Isto aconteceu em 1984, quando três poemas meus foram selecionados para integrar uma Coletânea Literária organizada pelo poeta Sangar Vidal de Porto Alegre. Fora isso, os desafios para um escritor são enormes, como a falta de apoio e de reconhecimento.
Qual conselho dá para aqueles que sonham em escrever?
O escritor precisa saber olhar a verdadeira face da vida, olhar para as coisas a seu redor como se tivesse acabado de nascer. Outra coisa: quem tem muita facilidade de escrever não é escritor, é orador. Daria um ótimo político, advogado, vendedor ou sei lá o quê... É preciso desenvolver os recursos para prender o leitor no papel. Olhar a vida mais profundamente, e não sobre as pequenas experiências que podem ser contadas por qualquer um. Nem vale apelar para as soluções medíocres ou aos trocadilhos meio infames, como: “eu sou, eu serei, euforia”. Ah, tem que ter muita disciplina. Acima de tudo, é preciso adquirir bagagem cultural. De minha parte, escrevo e leio menos que gostaria. E continuo insatisfeito achando que estou apenas começando.
Como elaborar uma lista de bons livros?
Segundo a Dalila Teles Veras, o melhor é oferecer uma não-lista de boa leitura. Primeira: não pare em frente à prateleira colocada à entrada da livraria; não vale a pena. Invariavelmente, encontra-se ali tudo o que a moda quer empurrar goela abaixo do leitor incauto.
- Segunda: Vá direto aos fundos da livraria ou às prateleiras quase rentes ao chão, pois ali costumam estar escondidas preciosas pepitas.
- Terceira: fuja do livro de páginas perfumadas, do otimismo em gotas, das pílulas concentradas de sabedoria, dos tratados sobre sexo de anjos, das receitas de sucesso fácil e de toda a perfumaria barata desse comércio-engodo que oferece métodos para todo tipo de felicidade.
- Quarta: desconfie dos títulos. Pedaços de Mim, Retalhos de Mim, Sofrimentos de Mim, Sombras de Mim, Memórias do que fui, etc. Todo escritor medíocre ou em começo sempre acha que a sua vida daria um romance ou um livro de poesia.
- Quinta: Não se impressione com as listas dos mais vendidos: apesar da enorme quantidade de literatura estrangeira, isso não é motivo para imaginar que não haja boa literatura brasileira disponível. Pelo contrário, nem tudo o que merece grandes campanhas de marketing representa a melhor opção. Raramente frequentam essas listas escritores excelentes como Deonísio da Silva, Raduan Nassar, Caio Porfírio Carneiro, Álvaro Alves de Faria, José J. Veiga, Luiz Vilela, Dalton Trevisan, Murilo Rubião, Hilda Hilst, Lya Luft, Manoel de Barros, e muitos outros nossos contemporâneos. Isso, sem falar nos já clássicos Murilo Mendes, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, José Cândido de Carvalho, Ascenso Ferreira, Lima Barreto, Joaquim Cardozo, Mário Faustino, Jorge de Lima, Mário Palmério, unanimidades críticas mas ainda tão distantes dos leitores.
- Sexta: Não esqueça dos sebos. Saiba que eles existem em grande quantidade e nem sempre são sinônimos de babel e de caos? É possível encontrar ali, lançamentos recentes e raridades, convivendo pacificamente à espera de curiosos e garimpeiros à busca das tais pepitas.
- Sétima: Pode ser que o melhor seja não seguir nenhuma destas não-regras e cada um elaborar seu próprio anti-roteiro de boa leitura, para ser (des)obedecido na visita às livrarias e bibliotecas, afinal, você deve fazer parte daqueles leitores que nem sempre estão dispostas "a ir por ali".
Você lê bastante?
Antes de ser escritor fui — e continuo a ser — leitor. Os livros sempre foram meus grandes companheiros desde a meninice, muito embora hoje em dia escreva e leia menos do que gostaria.
Na infância e na adolescência, a leitura não era apenas minha distração predileta, mas também a chave que me abria o mundo. Ela me anunciava o futuro: identificando-me com heróis de romance, através deles pressentia meu destino. Nos momentos ingratos da minha juventude, salvou-me da solidão. Mais tarde, ajudou-me a ampliar meus conhecimentos, a multiplicar minhas experiências, a compreender melhor minha condição de ser humano e o sentido do meu trabalho de escritor.
De qualquer maneira, acredito que todos deveríamos escrever e ler muito, desde bula de remédio até o verso da passagem de avião e de ônibus para conhecermos nossos direitos. Esse é um caminho decisivo para o indivíduo expressar e reconhecer sua cultura, e também entender diferentes hábitos e costumes. No entanto, o ato de ler é um exercício, e como tal, para que os efeitos sejam duradouros, deve ter continuidade. É a apuração do conhecimento adquirido que leva à quebra de fronteiras e à capacidade de entender bem mais do que o texto escrito atrás da passagem de avião. A leitura é indispensável em qualquer momento da vida, tempo e lugar.
O livro transmite pensamentos, traduz emoções, estimula a imaginação e o sonho, permite que nossas vivências cotidianas se transformem em um mundo cheio de encantos e seduções, dando à vida um sentido intelectual e espiritual de inestimável valor.
Do que um escritor precisa?
O escritor necessita de apenas duas coisas na vida: ser lido e ser reconhecido.
Tanto uma como a outra coisa são difíceis de obter. E é bom que se diga logo que o escritor não tem a ilusão de enriquecer ou virar celebridade por conta do seu ofício. Para ser lido é preciso, primeiramente, ter acesso a uma editora para publicar os originais. Claro que me refiro estritamente ao livro e a literatura de ficção. Estar em livro por si só, não garante que o texto publicado venha a ser lido. Como dizia o nosso Mário Quintana (se não estou enganado), o leitor é um passarinho distraído que precisa ser conquistado com delicadeza até ele vir comer na sua mão.
Se for para recorrer a uma outra imagem, o escritor é um caçador de borboletas, muito hábil que vai lá fora no jardim com a sua pequena rede e emprega artifícios e sutilezas, muitas vezes com uma persistência e teimosia irritantes, para pegar esses insetos das antenas clavadas. Ainda mais nos dias de hoje em que as borboletas praticamente sumiram dos nossos jardins, deixando o caçador atirando sua redezinha contra o vento.
Então é isso, o escritor que consegue ser realmente lido e não apenas citado nas rodas de conversa de pseudo-leitores, alcançou um feito e tanto.
Infelizmente, o escritor, como o porco só é apreciado depois de morto.
Como você vê o futuro do livro?
Na verdade, a primeira morte do livro teria sido anunciada a mais de um século, com a revolução industrial de 1870, embora Machado de Assis, Proust, Kafka e Fernando Pessoa estivessem ativos e produzindo seus clássicos nessa época.
No início do século XX, com o lançamento do Ford Model T, por Henry Ford, que em poucos anos vendeu mais de quinze milhões de unidades, as Cassandras afirmaram que agora sim a literatura de ficção estava com os dias contados. As pessoas preferiam usar o carro para passear, fazer compras, se divertir e namorar em vez de ficar em casa lendo.
Pouco depois, veio o cinema. Segundo pesquisas da época, de cada cem pessoas, oitenta freqüentavam o cinema e apenas duas tinham o hábito de ler. Não demorou nada para aparecer a televisão (terceira pá de cal). Com a televisão, os grandes videntes da época diziam que as pessoas trocariam o livro pela televisão. Ninguém mais pegaria um livro na mão, com as novelas, os filmes, os programas de auditório a funcionarem como poderosos imãs, ninguém mais perderia tempo lendo um livro.
Na década de 80 apareceu o computador e a internet para jogar mais algumas pazadas de cal sobre o livro e a leitura. Quem ainda leria um livro diante das facilidades e interatividade oferecidas pela rede mundial de computadores? Apesar de achar a internet fascinante sob o ponto de vista de pesquisa, acesso ao mundo da leitura, da democratização da cultura, o livro no sentido que todos nós conhecemos creio que irá persistir.
O que é crônica?
A crônica surgiu em 1799 na França, no Journal des Débates, Consistia de um comentário que vinha no rodapé das notícias veiculadas no jornal.
No Brasil, começou com José de Alencar, primeiro cronista de qualidade. Rubem Braga elevou a crônica a um gênero nobre. Deu-lhe status. Hoje em dia temos bons cronistas, como Marta Medeiros, a própria Maitê Proença, Ricardo Freire, Ivan Angelo, Luis Fernando Veríssimo, entre outros.
O que é escrever?
Escrever é falar no papel. Na verdade o medo acaba inibindo a pessoa de escrever. Para perder esse medo, o primeiro passo é escrever como se estivesse falando. Escrever sem medo e sem preguiça, fazer vários rascunhos. Ler o texto em voz alta. Tudo isso são técnicas. Aprender a escrever é, em grande parte, se não principalmente, aprender a pensar, aprender a encontrar idéias e a concatená-las, pois, assim como não é possível dar o que não se tem, não se pode transmitir o que a mente não criou ou não aprisionou.’’
Por que o trabalho escritor pode ser comparado ao de uma aranha tecedeira?
As aranhas fazem suas teias muito rapidamente.
Em meia hora ou quarenta minutos, mesmo aquelas teias grandes e lindamente geométricas ficam prontas. Escrever rapidamente e chegar ao término de seu projeto....
As aranhas fazem teias apoiadas em algum lugar.
Repare que mesmo as teias mais intrincadas precisam ter várias linhas que as ancorem a pedras e árvores, de modo que não se rompam com o impacto do inseto. O equivalente na escrita é a ligação com a realidade. Mesmo a ficção mais delirante, a poesia mais fantasiosa, precisa ter linhas firmes e resistentes de conexão com o mundo real...
As aranhas fazem teias para capturar insetos.
Esses animais não perdem tempo fazendo teias para outra coisa que não seja enriquecer sua dieta de proteínas. Na escrita, isso quer dizer uma preocupação em construir tramas para capturar a imaginação do leitor e nada mais. Charmes estilísticos, efeitos literários, citações profundas devem ser todas deixadas de lado se não contribuírem para enredar o leitor na história.
As aranhas constróem suas teias onde há insetos.
Nossas práticas professoras se empenham em armar suas redes onde muitas vítimas em potencial voejem, pulem ou passeiem. O que escritores devem aprender com isso é escrever suas histórias para públicos que existem, ou seja, grandes grupos de pessoas que possam se interessar por aquele tema e abordagem.
As aranhas fazem teias invisíveis.
É evidente que o inseto não pode enxergar a teia antes de bater de encontro a ela, ou simplesmente fará um desvio em seu plano de vôo. Do mesmo modo, se o leitor perceber como a trama foi construída – com excesso de lógica ou pouco suspense, por exemplo – certamente perderá o interesse e escapará da leitura.
As aranhas refazem suas teias sempre que necessário.
Se você jogar talco numa teia para enxergá-la, dali a pouquinho sua proprietária a desmanchará e fará uma nova teia, mais leve e menos visível.
As aranhas não ficam presas em suas próprias teias.
Apesar de a maioria dos fios das teias serem pegajosos, as aranhas sabem onde colocar suas oito patas para não ficarem presas em suas construções. O escritor-aranha aprende com isso a não ficar fascinado com seu próprio trabalho...
As aranhas fazem muitas teias.
Uma vez que necessitam de bastante proteína, as aranhas precisam caçar uma quantidade respeitável de insetos por dia. Sendo assim, não perdem tempo em fazer uma nova teia assim que terminam uma refeição. O recado dado a você, escritor, é fazer muitos projetos, escrever bastante, incorporar a escrita às suas rotinas diárias para conseguir atingir o objetivo de criar bastante e ter muitos leitores.
Por que usar ilustrações nos livros?
As ilustrações nos livros oferecem muitos esclarecimentos. A ilustração, de certa forma, ajuda a explicar o tema e dá ao leitor indicações cronológicas e históricas essenciais da obra. Por fim, as ilustrações oferecem cadência e ritmo ao que está sendo contado e ajudam a situar o leitor na história.
É difícil publicar um livro?
Há duas formas de publicar um livro: edição independente cujos custos são arcados pelo próprio autor ou por meio de uma editora. No Brasil, há bastante editoras, porém meia dúzia domina o mercado. Record, Objetiva, Companhia de Letras, Ática (especializada em livros didáticos), Siciliano... Antes de mais nada, o escritor deve enviar os originais da obra ao editor. Se tiver muita sorte, chegam as mãos dele. Em seguida, o editor passa os originais ao Conselho Editorial que irá proceder a uma avaliação, podendo indicar ou não a obra para publicação. Isso demora de seis meses a um ano. Normalmente os Conselheiros retalham o texto todo e o devolvem ao autor para que o conserte. Volta para o Conselho. Passando pela avaliação, acontece o processo de revisão. No mímino, duas revisões são efetuadas. Enquanto isso, é feito o projeto gráfico. Entra aqui um capista e o diagramador. Concluído o trabalho, finalmente o livro vai para a impressão. O serviço é terceirizado, pois poucas editoras têm gráfica própria. Os exemplares impressos chegam às livrarias, consignados (recebe depois que vende) através de um distribuidor, também terceirizado. Alguns poucos vão para a imprensa para divulgação. No fim da história, o autor ganha em torno de 10% do preço de capa.
Para você deve ser muito fácil escrever?
Para responder a esta pergunta, gosto de usar uma metáfora. Comigo não acontece aquele negócio de apertar um botão e aparece a inspiração, muito pelo contrário, eu preciso ir lá no tanque e bater e bater, torcer e torcer a roupa até tirar água suja. Outra comparação que costumo usar é como tirar uma poeirinha de rádio de uma tonelada de minério. É verdade. Fazer um poema, um bom poema, pode me dar mais trabalho do que constuir uma casa. Só para finalizar, acho que escrever é construir e não decorar, ou seja, literatura é arquitetura e não decoração de interiores. Os adjetivos só enfeitam, não acrescentam muito à estrutura.
Quais as técnicas que você utiliza para escrever?
Escrevo para saber o que quero escrever. Escrevo para que as pessoas ouçam a voz dos meus silêncios. Nunca começo pelo título, em qualquer gênero: conto, crônica, narrativa, e poesia. O título vem no final. Minuto Diminuto, meu livro de poesia mais conhecido, foi entitulado horas antes de ir para a gráfica. Junto com o poema que lhe dá o título. Sento-me em frente a tela em branco do computador, normalmente sem saber o que vou escrever, a qualquer hora do dia ou da noite. Também tenho o hábito de escrever textos em prosa, muitas vezes sem nenhum valor literário e depois, vou depurando-os até extrair deles um poema.
Qual é a razão que leva você a escrever?
Escrevo para salvar a mim mesmo e não a meu semelhante. Escrevo não para dar-me a conhecer, mas para conhecer-me melhor. Não quero salvar ninguém. Não escrevo para esperando que o leitor se torne um bom padre, um bom médico ou um bom advogado. Escrevo porque sinto que tenho muito dos outros em mim. Tenho muito do medo e da insegurança dos outros. Das angústias, das inquietações dos outros. Ou talvez, escreva para achar-me nos outros. Para ser mais preciso, escrevo para matar a saudade de Deus. A necessidade de escrever me belisca o tempo todo. Resumindo: escrevo, não porque quero, mas porque preciso, como preciso respirar. Não vivo para escrever, mas escrevo para viver.
Quais são os direitos do leitor?
1. O direito de não ler.
2. O direito de pular páginas.
3. O direito de não terminar um livro.
4. O direito de reler.
5. O direito de ler qualquer coisa.
6. O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível).
7. O direito de ler em qualquer lugar.
8. O direito de ler uma frase aqui e outra ali.
9. O direito de ler em voz alta.
10. 0 direito de calar.
Desde quando você escreve livros infanto-juvenis?
Escrevi minha primeira narrativa destinada ao público juvenil em 2000, incentivado pelo brilhante ensaísta, tradutor e poeta José Paulo Paes que tinha escrito um artigo elogioso sobre meu livro de poemas "Minuto Diminuto" de 1990, originalmente publicado em página inteira na Folha de São Paulo e posteriormente incluído em seu livro "Os Perigos da Poesia e outros ensaios" (Topbooks Editora, São Paulo, SP, 1997).
Qual o título do primeiro?
Meu primeiro livro infanto-juvenil tem por título: "O segredo de Ogliver Nut".
Como são as histórias?
Minha infância decorreu em Travessão Paredes, interior de Nova Pádua, hoje município, mas na época distrito de Flores da Cunha. É em meio as minhas memórias que recolho material para muitos dos meus poemas, novelas, crônicas e narrativas infanto-juvenis. Claro que às memórias junto a imaginação que compõe a matéria-prima de todo escritor.
Na verdade, minhas histórias abordam vários temas, mas todos eles universais , como o medo, o amor, a amizade, a falsidade, a nostalgia, sentimento de perda, o bem e o mal, etc.
Os personagens são imaginários ou tem personalidade de pessoas reais?
Minhas narrativas começam em torno de um personagem que me interessa. Foi assim com o Ogliver de "O segredo de Ogliver Nut", na verdade meu alter-ego. O menino que eu gostaria de ter sido. Foi assim com o Roger de "Roger Bispo e a deusa Hathor". Inspirado em meu filho adolescente, na época, e hoje um jovem barbado e universitário. Queria escrever sobre suas inquietações, suas ansiedades, seus medos e seus sonhos. Tudo. Foi assim, sobretudo, com o Bento, de o "Aventura de um ladrão aprendiz". Este sim, o menino que fui e que ainda hoje se agita dentro do meu coração. Os personagens de A a Zoar como o Vô Bonifácio foram inspirados no meu avô materno. Sofia, de "O Morro do Chapéu do Diab"o, é a soma de primas da cidade grande que vinham passar as férias escolares lá em casa, em Travessão Paredes, o interior do interior de Flores da Cunha.
Porque a escolha pela literatura infanti-juvenil?
Gosto muito de esvrever para o público infanto-juvenil, muito embora me locomova melhor no terreno da poesia em prosa ou a escrita de invenção. Também gosto de escrever contos, crônicas e novelas. Mas tenho predileção pelo público infanto-juvenil. A resposta deste público sempre é muito estimulante e enriquecedora em todos os sentidos. Por fim, escrevo para o jovem como uma forma de contribuir para a boa formação do adulto de amanhã, principalmente no mundo complicado em que vivemos.. O melhor de tudo é perceber que estou fazendo algo para que tomem gosto pela leitura.
Nos mais de sessenta colégios em que tive a oportunidade de trabalhar de 2000 para cá, em todo o estado, com o projeto do Autor na Sala de Aula, tive encontros surpreendentemente graticantes. E se tivesse me perguntado qual a razão de eu investir meu tempo e energia para criar textos para o público infanto-juvenil, pouco ou nada teria respondido além de ajudar o leitor a compreender a própria vida. Suscitar nele alguma galáxia de emoções novas.
Quais os desafios de lidar com um público tão variado e tão "mutante"?
Os desafios de lidar com um público tão variado e tão mutante são enormes. É preciso ter muita paciência e, sobretudo, gostar muito do que se faz. Eu tenho uma grande identificação com este público.
O que os jovens gostam de ler?
Eles se identificam com os personagens dos seus livros?
Os jovens gostam de ler históras que tenham uma linguagem jovem, temas que lhe digam respeito, um ritmo ágil, com bastante ação, aventura e algum romance.
O gosto pela leitura é desenvolvido em que idade? Pelos pais ou pela escola?
O gosto da leitura é desenvolvido desde criança, com a ajuda dos pais em casa e os professores na escola.
Como fazer com que um jovem leia?
O jovem precisa ser incentivado permanentemente. Não se pode simplesmente dar um livro a um jovem e dizer-lhe "toma" como se fosse um remédio. Deve-se ajudá-lo a gostar de ler.
A leitura deve virar um hábito.
Uma criança que lê, será um adulto leitor?
A probalidade de uma criança que lê tornar-se um adulto leitor é bem maior que a de uma criança que não lê nada.
Quais as dicas que você dá para os adolescentes que não gostam de ler? E para aqueles que gostam, que eles continuem?
Certa vez Borges escreveu que não se jactava dos livros que havia escrito, senão dos que havia lido, pois o maior escritor argentino era, antes de tudo, um leitor apaixonado pelos livros. Fora isso, devo dizer que não é verdade que temos apenas uma vida, pois, se soubermos ler bons livros, temos tantas outras vidas quantas quisermos.
Especificamente para os adolescentes, não sei se vale como dica, mas gostaria de dizer que sejam curiosos e ávidos para aprender sempre mais. Isso eles encontram nos livros.
Qual é o seu nome completo?
Flávio Luis Ferrarini
Há quantos anos mora em Flores da Cunha?
Moro na cidade de Flores da Cunha desde 1979.
Como é o nome de seus pais e de suas irmãs:
Nome dos meus pais: Argentino Ferrarini e Ernesta Vazatta Ferrarini
Nome das minhas irmãs: Margarete e Madeleine
Como é o nome da sua esposa?
Rosane Mascarelo Ferrarini
Qual o nome de seu filho?
Roger Ferrarini
Como foi sua infância e adolescência?
A minha infância e adolescência decorreu em Travessão Paredes, interior de Nova Pádua, na época uma pequena vila de imigrantes italianos, situada às margens da estrada vicinal que vai dar no rio das Antas, em direção a Nova Roma do Sul. É em meio aquela gente que recolhi material que mais tarde viria a povoar minhas crônicas, contos, poemas, epigramas, poemas em prosa e narrativas infanto-juvenis.
Desde muito pequenenino ajudava a meus pais no trabalho do cultivo de uvas. Até meus seis anos de idade,a casa da minha família não era dotada de rede de luz elétrica e de água encanada. Então, o fogão a lenha era a nossa televisão que ardia com a boa lenha da imaginação. Na verdade, o fogão a lenha era, ao mesmo tempo, fogão, lareira, secadora de roupas e televisão.
À noite, no chão de tábuas largas da sala de visitas, meu pai lia histórias como a dos Trinta e Cinco Camelos, sob a luz do lampião à querosene. Também lia para mim e minhas irmãs muita poesia, principalmente Casimiro de Abreu, Castro Alves, Olavo Bilac e Manuel Bandeira. Aprendi a ler e escrever com meu pai, aos cinco anos de idade, antes mesmo de começar a frequentar a escola do Travessão Paredes.
O que você sabe dizer sobre a produção literária de Flores da Cunha?
Tenho a impressão de que produção literária em Flores da Cunha se dá mais graças ao esforço individual do que a partir de algo mais organizado. Percebo, inclusive, que, não obstante tenhamos grandes talentos, falta-nos espaços culturais alternativos para lançamento de obras, saraus, oficinais, etc. Falta-nos, a meu ver, o que é mais importante: um trabalho forte junto às crianças na idade escolar, despertando nelas o prazer da leitura, além de uma dinâmica de promoção de eventos ligados ao livro e à literatura.
De maneira geral, porém, a produção literária está em alta em Flores da Cunha.
Como e quando você começou a escrever? Percebeu que tinha algum talento?
Comecei bem cedo, quando ainda usava calças curtas, lá pelos oito anos de idade. Lembro que pegava papel de embrulho, pegava a cola caseira, montava um livreto no qual compunha meus versos. Passado esse deslumbramento com a poesia, dei um tempo. Achava que a minha praia era a música. Quebrei o cofrinho e comprei um violão usado de um colega de escola. Escrevi meia dúzia de canções. Decidi que seria um cantor famoso, mistura de Roberto Carlos com Caetano Veloso. Todavia, logo descobri que não tinha muito talento para a coisa. Então, fiquei dos dez aos quinze meio perdido. Pensei até me tornar-me ladrão, cuja história conto no “Aventuras do ladrão aprendiz”. Bom, acho que disse quando comecei a escrever, embora considere o início mesmo, o início consciente, na idade dos vinte. Portanto, descobri a literatura mais tarde do que gostaria.
Quanto a perceber se tinha talento, apenas acho que talvez tenha o dom da escrita.
Como começou a escrever para o jornal Semanário de Bento Gonçalves?
Comecei a escrever no Semanário atendendo a um convite do Henrique Caprara que muito me envaideceu.
Como é o processo de trabalho para a coluna (a rotina de criação)?
Posso dizer que a rotina ou o meu método de trabalho é no sentido literal grego, ou seja, "méthodos" - "meta" e "hodos", "caminho". Quer dizer, adoto o método do caminho incerto, da descoberta, de procurar alguma coisa e encontrar outra totalmente diferente. Não nutro maior simpatia pela palavra "método" no sentido literal latino que é a ordem que se segue na investigação da verdade. Não guardo hora e nem local para escrever a coluna. Também não creio em inspiração como se fosse um favor dos deuses. Sento diante da tela em branco do computador e começo a escrever.
Como surge a escolha pelos temas abordados?
Procuro ficar pensando sobre tudo, prestar atenção no mundo, nas pessoas e olhar para as coisas ao meu redor, como se tivesse acabado de nascer. Outra coisa: quem tem muita facilidade de escrever não é escritor, é orador. Daria um ótimo político, advogado, vendedor ou sei lá o quê... É preciso desenvolver recursos para prender o leitor no papel. Se for para recorrrer a uma outra imagem, o escritor é um caçador de borboletas, muito hábil que vai lá na praça com a sua pequena rede e emprega artifícios e sutilezas, muitas vezes com uma persistência e teimosia irritantes, para pegar esses insetos das antenas clavadas.
O que mudou neste tempo?
As coisas mudam o tempo todo como as águas de um moinho. Entre os fatos e situações mais interessantes que me aconteceram ligados ao meu ofício de escrever, gostaria de citar que me escolheram Patrono da Feira do Livro de Flores da Cunha e recebi a aprovação do conselho editorial de conceituada editora dos meus originais "vidas minúsculas de vila faconda". Trata-se de um livro de microbiografias para adultos, após oito anos publicando somente obras destinadas ao público infanto-juvenil e realizando um trabalho grafiticante nas escolas, dentro do programa "Autor na Sala de Aula".
Sua opinião sobre o jornal?
Antes de colunista, sou leitor do Semanário. Procuro ler e acompanhar todas as seções, inclusive os anúncios que é a minha praia. Isto colocado, devo salientar que, por sua concepção e história, o Semanário inscreve-se como um dos mais importantes marcos da mídia impressa de Bento Gonçalves. Percebo que o jornal vem evoluindo na forma e no conteúdo, exercendo com profundidade o verdadeiro papel do jornalismo, estando perfeitamente integrado à comunidade, com a qual estabelece, inclusive, um diálogo construtivo. Quero aproveitar a oportunidade para parabenizar a equipe que faz o jornal e desejar que o Semanário continue levando informação, entretenimento e análise com imparcialidade ao leitor por muitas e muitas décadas.
Sobre o retorno dos leitores à coluna, lembra de algum elogio ou crítica mais curiosa ou marcante?
O escritor só precisa duas coisas na vida: ser lido e ser reconhecido. Acho que o Semanário ampliou essas duas coisas de uma forma bastante positiva. Muito embora não tenha tenha um retorno expressivo dos leitores, talvez por morar noutra cidade e estar há pouco nas páginas deste jornal, penso que o mais importante é que o leitor se aproxime do que escrevo, e não necessariamente de mim. Claro que adoro quando o leitor se manifesta, como os leitores que me contatam por e-mail se dizendo fãs das minhas crônicas e tecendo comentários sobre meus textos.
Fale um pouco de você...
Tenho mais de 20 títulos individuais publicados e mais quatro participações em Antologias. Nasci em 05 de agosto de 1961, na pequena Nova Pádua, hoje município, mas na época distrito de Flores da Cunha. Sou filho de Argentino e Ernesta Ferrarini, tenho duas irmãs, a Margarete que tem apenas um ano a menos que eu, e Madeleine, que é 13 anos mais jovem. Ainda no final da adolescência mudei-me para Flores da Cunha, cidade na qual fixei residência. Sou cronista do jornal O Florense desde 1986 e do jornal Semanário de Bento Gonçalves. Ganho a vida como publicitário.
Como se dá o processo de escrever para jovens? Qual a postura que você assume?
Procuro escrever histórias para jovens sem infantilizar o texto. Tomo apenas o cuidado com a maneira como vou contar a história, com uma estrutura menos complicada. Retiro a matéria-prima para meus textos das vivências, leituras, e observações do cotidiano. Depois misturo tudo isso com a imaginação para tecer as teias através das quais tenho a pretensão de capturar leitores de todas as idades. Preocupo-me em contar uma boa história, divertida, com surpresas de linguagem, que passe emoção e valores, tudo sublinhado pelo fio do humor. Meu desejo é que minhas histórias façam pensar e crescer.
De onde você tirou a inspiração para escrever O segredo do diário de Pati?
Na verdade, sempre quis contar uma história com situações muito próximas de todos nós. Então, lembrei que no tempo de escola, tinha uma colega que guardava suas coisas num diário. Ela era toda misteriosa e o diário aumentava esse seu ar misterioso. Nunca vim a saber direito os segredos que ela confiou ao diário, muito embora a curiosidade me beliscasse a todo momento. Então pensei que isso poderia render um livro. Foi o que fiz.
O diário não é uma coisa, mas uma espécie de anjo da guarda.
Por que não um diário virtual?
Gosto de pensar que não se deve expor demais a nossa vida ao público. Claro que sei que é isso que move centenas de milhões de pessoas. Por meio de ferramentas virtuais expõem seu cotidiano, contam tudo o que fazem, com quem andam, o que pensam, compartilham sonhos e projetos de vida e até mesmo o que acham que sabem e não sabem, acham que sentem e não sentem. Não quero parecer um deslocado, mas fico meio indignado com essa paranóia eletrônica, em que, ao invés de conhecer-se a si próprio o internauta está muito mais preocupado em dar-se a conhecer.
Quem é a Pati do livro?
Pati é uma garota muito bonita e inteligente que todos os garotos namoram sem que ela saiba. Tem muitos pretendentes, mas ela se faz de difícil e isso acaba por aumentar ainda mais a fila de pretendentes. Ela tem uma irmã menor chamada Ramona e uma prima e grande amiga, Letícia. Fora isso, ela tem um segredo. Um grande segredo que confiou ao seu diário que guarda debaixo de sete chaves.
E quem são Oliver, Pepe, Cascão...
Garotos que tocam a vida, movidos pelos devaneios, inseguranças e confusões todas típicas da adolescência. Fazem tudo o que a maioria dos adolescentes faz, sem pensar muito nas consequências das suas ações. E quase ia esquecendo de dizer que eles têm muitos sonhos e é disso que a vida é feita.
A história foi toda ambientada no Colégio Madre Paulina, alguma razão para isso?
Nenhuma razão especial. Talvez seja porque o jovem só tem que estudar na vida, mais nada. E é no colégio que ele passa boa parte do dia, além é claro, de ser no colégio que aprende a crescer e experimenta toda uma galáxia de emoções e aventuras sem fim.
Tem alguma questão que você se preocupou em evidenciar no livro?
Não uma, mas várias. É uma história atualissíma com ritmo ágil e linguagem envolvente . Passa-se no colégio Madre Paulina e fala de temas relevantes à jovens e adultos. Os temas são abordados de forma muito inteligente.
Você tem alguma pretensão com O segredo do diário de Pati?
Não tenho nenhuma pretensão em especial, a não ser a de despertar identificação com a história e que fique aquela sensação prazerosa no final da leitura do livro.
Entrevistas:


"A leitura que mais nos
prende é a que mais nos liberta."
Flávio Luis Ferrarini
